2 de abr. de 2009

O olhar insubordinado

Pessoal, quem ainda não o fez, sugiro a leitura do livro "A vida que ninguém vê" (Arquipélado Editorial, 2006), de Eliane Brum, ex-Zero Hora, atual Época. Textos a respeito de gente absolutamente comum, como as que encontramos na Brás por ocasião de nossas saídas a campo, cujas vidas usualmente não seriam notícia de jornal, salvo em ocasião de tragédias ou violência. Mas que se transformam em matéria jornalística de qualidade quando o olhar do repórter se despe de preconceitos e resolve olhá-las com a devida atenção e respeito, o que exige domínio técnico/estilístico para muito além do lead, além da compreensão do local onde se está escrevendo.
Reproduzo dois trechos, por relevantes, do texto escrito pela autora ao final do livro, intitulado "Sobre a melhor profissão do mundo":

"Sempre gostei das histórias pequenas. Das que se repetem, das que pertencem à gente comum. Das desimportantes. O oposto, portanto, do jornalismo clássico. Usando o clichê da reportagem, eu sempre me interessei mais pelo cachorro que morde o homem do que pelo homem que morde o cachorro - embora ache que esta seria uma história e tanto. O que este olhar desvela é que o ordinário da vida é estraordinário. E o que a rotina faz com a gente é encobrir esta verdade, fazendo com que o milagre do que cada vida é se torne banal." (pág. 191)

"Olhar dá medo porque é risco. Se estivermos realmente decididos a enxergar não sabemos o que vamos ver. Quando saio da redação, tenho uma idéia de para onde devo olhar e o que pretendo buscar, mas é uma idéia aberta, suficiente apenas para partir. Tenho pena dos repórteres das teses prontas, que saem não com blocos, mas com planilhas para preencher aspas predeterminadas. Donos apenas da ilusão de que a vida pode ser domesticada, classificada e encaixotada em parágrafos seguros. Tudo o que somos de melhor é resultado do espanto. Como prescindir da possibilidade de se espantar? O melhor de ir para a rua espiar o mundo é que não sabemos o que vamos encontrar. Essa é a graça maior de ser repórter. (Essa é a graça de ser gente.) (Pág. 193)

O prefácio de "A vida que ninguém vê" é de Marcelo Rech. Ricardo Kotscho assina o posfácio.

Abraço a todos.

1 comentários:

Vanessa Reis disse...

"Quando saio da redação, tenho uma idéia de para onde devo olhar e o que pretendo buscar, mas é uma idéia aberta, suficiente apenas para partir. Tenho pena dos repórteres das teses prontas, que saem não com blocos, mas com planilhas para preencher aspas predeterminadas. Donos apenas da ilusão de que a vida pode ser domesticada, classificada e encaixotada em parágrafos seguros. Tudo o que somos de melhor é resultado do espanto. Como prescindir da possibilidade de se espantar? O melhor de ir para a rua espiar o mundo é que não sabemos o que vamos encontrar. Essa é a graça maior de ser repórter."

Assino embaixo. Na minha vivência em redação, sempre preferi reuniões de pauta livres, em que apenas conversávamos sobre o personagem ou o possível personagem da matéria. Ao longo da produção, matérias sempre brotam. A vida acontece na rua. E este é o lugar do repórter.